11 outubro 2011

Minha Geração

A ironia de começar a escrever um texto que provavelmente será longo e, por isso, descartável à atual geração – para postá-lo em um blog convencional é tamanha que me pego pensando o quão natural é ao ser humano apegar-se ao que está em sua zona de conforto.

O que independe da época vivida ou da idade do indivíduo, no entanto, é o receio de não ser aceito/ouvido, que o leva a refletir se a geração presente é mais alienada de fato ou se sua geração está cansada demais para se fazer entender.

Vale prestar muita atenção, desde o início, na própria palavra “geração”, empregada para determinar um grupo de pessoas nascidas em uma determinada década ou período da História. Quando se usa essa palavra, a questão que fica implícita é: “gerados por quem?”.

Se as “gerações” constituem um grupo enorme de pessoas de origens e famílias distintas, mas com as mesmas características, o que é que vem, ao longo dos anos, tornando essas pessoas cada vez mais “iguais” em termos de comportamento, ainda que ainda distintas social, cultural e financeiramente?

A resposta está na frente de nossos narizes. Principalmente do seu, que está lendo esse texto. Assim como o que estava à frente de narizes mais velhos os ajudou a criar uma concepção única sobre valores morais e éticos, ou a passar tempo esquecendo de exercê-los.

Ainda assim, a atitude de repreender – na maioria das vezes erroneamente – as atitudes da próxima geração é justificável não só pela preocupação legítima com seus descendentes, mas também pela luta totalmente instintiva pela sobrevivência de seus ideais e de seu papel enquanto ser humano. Vale lembrar, porém, que esta mesma atitude é, também instintivamente, ora repreendida ora contestada por gerações anteriores.

De qualquer maneira, ficamos à mercê do tempo e de sua linha na História, bem como à mercê de quem literalmente a desenha. Vejamos até que ponto as gerações nomeadasirresponsavelmente - por letras foram ativas nas transformações do mundo à sua volta ou passivas de sofrer mudanças impostas por essas próprias transformações.
E, assim, ficamos também à espera de que haja, enfim, uma geração de geradores.


*Ouvindo: The Who – My Generation

22 fevereiro 2011

Sacrifício


Sempre que tive alguma aproximação a essa palavra, a evitei. A carga semântica que ela me trazia pesava tanto quanto a possível vivência concreta da mesma.

Com o tempo, tenho percebido que não é só essa palavra – ou só palavras daquelas que assustam – que nos enganam e nos traem. Na realidade, retiro e corrijo o que acabei de escrever: não são as palavras que nos enganam e nos traem, e sim o abismo que existe entre o que ela significa em sua raiz e o que nós imprimimos nelas, de acordo com nossas próprias reações e medos – por vezes viciosos – ao irmos de encontro a elas e não ao encontro delas. A minha própria auto-correção mais recente, nesse mesmo parágrafo, não me deixa deixar de comprovar isso.

De qualquer maneira, nos encontramos com a palavra sacrifício desde cedo, seja através de desenhos animados, livros de história ou pelo dicionário. A idéia e a imagem construídas – principalmente pelos dois primeiros – é que sacrifício é morte. E que, por vezes, não era heróica ou voluntária. Levavam o ser a um local sagrado, de acordo com as crenças locais, e tiravam-no a vida, em nome de algo maior. Com essa idéia difundida, não há algo mais natural do que vermos o sacrifício como algo injusto e, até, inaceitável. Não pode haver um bem maior capaz de suprir a falta daquilo que foi destruído ou que se foi. Nem mesmo o amor.

E o amor também é uma dessas palavras em que qualquer definição pode ser perigosa, essa é que é a verdade. Porque também acabamos condicionados, pelo nosso presente, a imprimirmos nela nossos medos, angústias e necessidades de respostas. E não vou aqui defini-lo, exatamente para não cometer o mesmo erro de sempre: explicar o que é sentimento.

E a diferença básica entre essas duas palavras é exatamente essa. Sacrifício é uma ação. Amar não é. E sobre o ato de amar eu escrevo em outro texto. Esse é sobre sacrifício.

E é justamente quando somos egoístas e queremos todas as coisas, inclusive os sentimentos contraditórios, que enxergamos, mais próximo ao que o dicionário traz na palavra, o que é sacrifício: renunciar, abrir mão, abnegar. E fazer isso, sacrificar-se, não significa exatamente morrer. Ele pode significar exatamente o oposto: eliminar, destruir aquilo que não está certo dentro da gente. Abrir espaço em nossa alma para que ela cresça. Ou, até mesmo, tirar o que é certo e belo do meio de tantas coisas erradas, de um lugar tão caótico, onde por vezes o amor não consegue viver.

Sim, quando o sacrifício não é voluntário, ele tende a ser mais cruel. Mais inaceitável. Como se arrancassem um pedaço da gente, ou quase o nosso todo, sem nossa soberba permissão. Mas sacrifício é algo que, geralmente, está fora do nosso alcance. Principalmente quando está dentro de nós. E é nesse instante que devemos acreditar que sim, algo maior. Ou apenas algo à parte dos nossos medos e problemas. Algo que vale a pena guardar a sete chaves. Como o amor verdadeiro.

Nessas últimas horas, me voluntariei. Não por heroísmo, nem por obrigação. Simplesmente percebi que sacrifício maior é deixar nosso amor e nossa vida serem consumidos por coisas que anexamos a eles, que imprimimos a eles. É não sacrificar os nossos medos, nossos fantasmas, nossas inseguranças, pelo que – ou por quempodemos ter de fato em nossas vidas e realmente nos traz, através de algo maior, a verdadeira paz.


(Dedicado a Ana Carolina Cavalcanti Ferreira, que nos prova, desde quando estava conosco até hoje, o quanto o amor verdadeiro pode tudo.)


*Ouvindo: Chico Buarque e Zizi Possi - Pedaço de Mim

15 fevereiro 2011

iMundo


O mundo perdeu o sentido pra mim.

Não. Não o meu mundo. E eu estou exatamente onde eu queria estar, hoje, na minha vida. Pelo caminho que eu segui, de olhos bem abertos. Às vezes com confiança demais, às vezes com cautela demais, e talvez até fora do ritmo e da velocidade devida (confesso até que, muitas vezes, propositalmente, pelas recompensas que eu sempre obtive disso).

O meu mundo é bem bonito, e bem completo. Não falo isso por vaidade, como os que me conhecem pela metade poderiam julgar, mas sim por pura gratidão, por ter essa sorte rara de ter uma vida cheia de possibilidades e de personagens incríveis.

Eu tenho uma família incrível, completa. Eles têm, cada um, o seu próprio mundo. E eu sempre insisti em termos o nosso mundo em comum o mais arrumado e bem cuidado possível. Nem sempre isso é possível, e eu me revolto. Todos falam palavras ruins uns pros outros. Algumas dessas palavras a gente retira. Outras, a gente muda o tom, o contexto, o sentimento. E tudo volta ao normal. Não ao meu normal, mas ao normal comum.

Eu tenho uma namorada incrível, que me completa. Ela tem o mundo dela, pelo qual me encanto a cada dia. Também temos o nosso mundo, mas às vezes me pego invadindo o mundo dela, feito um alienígena. E qual alienígena não assustaria? Principalmente quando os dois têm seu mundo em comum para construir, em paz e com muita harmonia e amor? Já não é difícil o bastante construir um mundo novo no meio de tantos outros? Um mundo em comum?

Eu tenho minhas músicas! E cada uma responde para mim uma pergunta que eu não soube nunca responder de um jeito mais normal. Cada uma em seu tom diferente, seu ritmo diferente, sua velocidade, seus compassos e seus sentimentos diferentes. Mas às vezes sinto que cada letra é um hino diferente para cada parte diferente do meu mundo. E quando estou em um lugar, por vezes me esqueço do hino do outro, e de seu significado para mim.

Eu tenho muitos amigos. Os lugares ocupados pela maioria deles são invariavelmente rotativos. Ora, não por escolha minha. Achar isso seria muita pretensão minha, mais até que injustiça alheia. O mundo gira em movimento de rotação, em torno de si mesmo, em 24 horas. Dados o tamanho do planeta Terra, o infinito do universo e a velocidade em que tudo ocorre, isso é extremamente rápido. Mesmo que pareça demorar toda uma vida. Por que o meu mundo seria diferente de qualquer outro, ou especialmente do qual eu mesmo vivo?

O fato é que mesmo quando eu giro em torno de mim mesmo, eu não sei girar sem pensar em quem vive em cada país dentro da minha alma, do meu coração. Penso em não girar muito devagar, nem muito rápido. E, às vezes, acabo saindo do meu próprio eixo.

E é aí que eu vejo tantas outras pessoas fora de seus eixos, fazendo do mundo maior um lugar cheio de ingratidão, desconfiança e descuidado. Orgulhando-se desse mundo ser tão rápido, mesmo que descompassado, e tão completo, mesmo que por pura vaidade. Um mundo onde todos estão ainda mais conectados e ainda mais isolados em seus próprios mundos inertes, contra tudo o que gire em direção contrária às suas.

E então eu me sinto, finalmente, em uma aula de geografia, terminando de responder a última pergunta de todas as que me foram ditadas durante quase 27 anos. E percebo que, enquanto estava respondendo-as, não ouvi as outras tantas perguntas que foram ditadas nos meus mais recentes anos.


Talvez isso seja um pedido de socorro. Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode ajudar a responder as novas perguntas. Mas talvez eu mesmo tenha que encontrar as respostas, em mim mesmo, em minha família, em meus amigos, em minha namorada ou em minhas músicas. Por mim, e por tudo o que ainda gira junto comigo em meu mundo.


*Ouvindo: Dream Theater - The Spirit Carries On