22 fevereiro 2011

Sacrifício


Sempre que tive alguma aproximação a essa palavra, a evitei. A carga semântica que ela me trazia pesava tanto quanto a possível vivência concreta da mesma.

Com o tempo, tenho percebido que não é só essa palavra – ou só palavras daquelas que assustam – que nos enganam e nos traem. Na realidade, retiro e corrijo o que acabei de escrever: não são as palavras que nos enganam e nos traem, e sim o abismo que existe entre o que ela significa em sua raiz e o que nós imprimimos nelas, de acordo com nossas próprias reações e medos – por vezes viciosos – ao irmos de encontro a elas e não ao encontro delas. A minha própria auto-correção mais recente, nesse mesmo parágrafo, não me deixa deixar de comprovar isso.

De qualquer maneira, nos encontramos com a palavra sacrifício desde cedo, seja através de desenhos animados, livros de história ou pelo dicionário. A idéia e a imagem construídas – principalmente pelos dois primeiros – é que sacrifício é morte. E que, por vezes, não era heróica ou voluntária. Levavam o ser a um local sagrado, de acordo com as crenças locais, e tiravam-no a vida, em nome de algo maior. Com essa idéia difundida, não há algo mais natural do que vermos o sacrifício como algo injusto e, até, inaceitável. Não pode haver um bem maior capaz de suprir a falta daquilo que foi destruído ou que se foi. Nem mesmo o amor.

E o amor também é uma dessas palavras em que qualquer definição pode ser perigosa, essa é que é a verdade. Porque também acabamos condicionados, pelo nosso presente, a imprimirmos nela nossos medos, angústias e necessidades de respostas. E não vou aqui defini-lo, exatamente para não cometer o mesmo erro de sempre: explicar o que é sentimento.

E a diferença básica entre essas duas palavras é exatamente essa. Sacrifício é uma ação. Amar não é. E sobre o ato de amar eu escrevo em outro texto. Esse é sobre sacrifício.

E é justamente quando somos egoístas e queremos todas as coisas, inclusive os sentimentos contraditórios, que enxergamos, mais próximo ao que o dicionário traz na palavra, o que é sacrifício: renunciar, abrir mão, abnegar. E fazer isso, sacrificar-se, não significa exatamente morrer. Ele pode significar exatamente o oposto: eliminar, destruir aquilo que não está certo dentro da gente. Abrir espaço em nossa alma para que ela cresça. Ou, até mesmo, tirar o que é certo e belo do meio de tantas coisas erradas, de um lugar tão caótico, onde por vezes o amor não consegue viver.

Sim, quando o sacrifício não é voluntário, ele tende a ser mais cruel. Mais inaceitável. Como se arrancassem um pedaço da gente, ou quase o nosso todo, sem nossa soberba permissão. Mas sacrifício é algo que, geralmente, está fora do nosso alcance. Principalmente quando está dentro de nós. E é nesse instante que devemos acreditar que sim, algo maior. Ou apenas algo à parte dos nossos medos e problemas. Algo que vale a pena guardar a sete chaves. Como o amor verdadeiro.

Nessas últimas horas, me voluntariei. Não por heroísmo, nem por obrigação. Simplesmente percebi que sacrifício maior é deixar nosso amor e nossa vida serem consumidos por coisas que anexamos a eles, que imprimimos a eles. É não sacrificar os nossos medos, nossos fantasmas, nossas inseguranças, pelo que – ou por quempodemos ter de fato em nossas vidas e realmente nos traz, através de algo maior, a verdadeira paz.


(Dedicado a Ana Carolina Cavalcanti Ferreira, que nos prova, desde quando estava conosco até hoje, o quanto o amor verdadeiro pode tudo.)


*Ouvindo: Chico Buarque e Zizi Possi - Pedaço de Mim