31 outubro 2023

Celebrando Drummond na Folhinha (ou O Bruxo das Palavras)

Quando penso em Drummond hoje em dia,
não em passado ou imposto calendário,
teclando tiquetoques mecânicos
com suas digitais,
talvez fosse cancelado
por uma ou duas de suas mil páginas
pela grande media de pequenas letras.
Talvez ainda conseguisse, ali, um espaço
Mais comprido que largo.

Ainda assim, menor que a manchete


Quando penso em Drummond no passado,
em como ele via e pensava 
enquanto palmilhava sua estrada
Quiçá até Mariana,
Drummond podia ver a cidade
mas não podia ver o futuro
- um futuro que nunca houve,
que nunca ouve
e que nunca lê.

Quando penso em Drummond no futuro do pretérito.
não em livros ainda empoeirados,
há uma questão ainda não respondida
- pois encoberta -
sobre a inundação em seu coração
e o choque em não saber
se machuca e é mais chocante
o derramamento de lama
que o derramamento de palavras.

20 julho 2021

 O Riso da Noite


Conheci, assim, a noite
E me lembro bem o dia
Caminhando pelo céu
Explorando, pois dissolvia
Com a reverência à lua
Fez-se viva a sincronia
Conheci, então, a noite
Bem me lembro, ela ria

E o seu riso, então, fez eco
Pela onda que seguia
E cada onda gargalhada
Espalhava alegria
Como cócegas sonoras
Embebidas em magia
Atingindo em cheio a mágoa
E toda dor que se esvaia

A noite é clara, e a lua jura:
Riso forte em mágoa dura
Tanto bate até que cura
Nessa noite de Sarau
Sua risada é Festival
Gratidão, menina AKBAL


*Ouvindo: Joe Satriani - Starry Night

31 dezembro 2017

Este Já Ano


Esse ano começou onde eu queria estar, como se tempo e espaço se fundissem e não  O lugar debaixo de todas as estrelas que são estrelas porque as vemos, pois já não são mais, depois de explodirem. Não fossem todas as explosões de todas as estrelas, eu não daria valor a todos os clichês que se fazem necessários para compreender o que me cerca, e elas não cumpririam com o papel de estrela - o que faria delas o contrário de sua natureza.

Esse ano começou como um ato de coragem. Em menos de 48 horas, tomei um decisão que parecia tão pequena, e que causou um tufão aqui, na outra ponta dos 365 dias. Um tufão que destruiu - exata e principalmente - essas divisões arbitrárias de tempo. A ideia, inspirada não só por música como pelo espírito do novo ano - agora o mais novo velho ano - era mudar tudo. E tudo mudou. Tanto o que eu quis quanto o que nem perto do meu alcance estava. Tanto pelas minhas vibrações quanto pelas minhas reações às vibrações alheias

Esse ano eu morei em tanta casa que já nem lembro mais numericamente, mas que eu já sou incapaz de esquecer. Uma incapacidade tão forte que me trouxe, inclusive em forma de inúmeros déjà vus e sonhos, a certeza de que já lembrava de tudo o que viveria esse ano antes mesmo de propriamente vivenciar.

Esse ano a palavra família ganhou um novo sentido. Um sentido tão amplo que me fez pensar o quanto cada um de nós deveria andar com seu próprio dicionário, escrito a próprio punho, e definido tão particularmente que o que chamaria nossa atenção no outro seriam as semelhanças entre o que definimos e não nossas diferentes concepções. Foram tantos momentos e cuidados e sorrisos compartilhados com gente de sangue ou não.

Esse ano escrevi um livro. De presente de aniversário. E qual não foi a inspiração senão um outro tipo de amor que, muitas vezes, nem a pessoa que o pratica o percebe ou valoriza: amizade. O amor é amor refletido, e palavras de consolo e de carinho só podem refletir carinho. Tudo devidamente pautado esteticamente por um sitcom. O mesmo sitcom que selou a certeza de que nem todas as coincidências do mundo são capazes de nos dar o total controle do nosso destino.

Esse ano eu tive meu espelho quebrado três vezes. E já nem importa se fui eu quem deu o soco ou se fui estilhaçado, vendo minhas reflexões virarem cacos. Tive 7 semanas de azar que pareceram 21 anos dentro de 5 meses. Nem imaginava que seria no meio do caos refletido que eu encontraria, finalmente e de verdade, amor, gratidão e perdão.

Esse ano eu senti na pele a dor fatal de alguém que nem me conhecia, mas que me trouxe uma visão de mundo através de sons e versos que eu só poderia compreender pelas janelas abertas pelos meus heróis, que me conhecem de sangue e alma, e por isso entendem o que essa perda significou. Ainda assim, como ele bem ensinou, ser eu mesmo é tudo o que eu posso fazer.

Esse ano eu neguei e derrubei um dos meus dois maiores heróis. E ele, como um verdadeiro herói faria, me salvou de novo quando estava sem forças. E de novo depois, e depois, e depois.

Esse ano, ao perceber que eu já nem me importava mais se era um bom ou mal menino, Papai Noel veio 4 meses mais cedo e resolveu me dar uma boneca. Dessas que andam, falam, sorriem e tem um poder inequívoco e infinito de amar, e só é vista como brinquedo ou objeto inanimado por quem não sabe brincar de vida. Me deu essa boneca não pra ver se realmente sou bom ou mal, mas se eu seria, enfim, menino de verdade para cuidar dela e ser cuidado por ela.

Esse ano me deu uma irmã gêmea. E todo um amor pra ser incondicional na marra, com todas bençãos e maldições que isso carrega, que é pra gente provar que pode se equilibrar, taurinamente. Provar pra si mesmo, que é o que importa, e compreender a si mesmo no outro, idêntico.

Esse ano percebi que eu, 33 anos de idade, vivi mais anos neste século que no século no qual nasci. A reverberação e amplitude dessa pseudo-epifania puramente lógica-matemática expandiu um universo muito maior dentro de mim que fora, me dando de presente todas as possibilidades do que eu posso escolher ser. E sempre posso. E tudo posso. Inclusive me suicidar virtualmente em sociedades falsas - como se a real já não fosse falsa o bastante - e escolher o blog como minha mídia.
Reencontrei muita gente, de tantas outras vidas passadas que eu nem quis mais descobrir se foi numa vida na qual eu ainda chamava Rubens. In the end, it doesn't even matter.

Em 2017, eu sangrei demais e chorei pra cachorro.
Esse ano eu morri muitas vezes.
Ano que vem - este já ano daqui a pouco - eu não morro.


Música do ano: Snow Patrol - Open Your Eyes




06 janeiro 2017

Pas de Deux

Não sabes quanto bem me faz
ver teus pés no palco a flutuar,
quando já me falta o equilíbrio
por ter por inteiros os dois pés no chão.

O brilho que vem do chão e do céu
(e de dentro de ti)
e de quem contigo o compartilha
é o que te equilibra;
é o que tens e traz
e nos faz feliz.

Teu corpo não é de ter de ter;
é mármore lapidado de dentro pra fora
por alguém que tem nas mãos
o que tenho nas linhas das mãos,
nas pontas dos dedos,
e tu tens nas pontas dos pés.
(Alguém chamado alma.)

E o que temos dentro de nós, dividido,
é segredo que todo mundo sabe;
é sonho e sentido da vida;
é arte que arde na alma e nos calos
quando não se sente.

O que temos - tantos de nós -, bem-aventurada
é um pas de deux que não leva à coda;
é um sonho do qual não se acorda;
na paz de Deus, na alma
no mundo que roda, que roda.

Composto em 2012, e dedicado aos 20 anos - com 75 minutos de atraso (os mesmos 75 minutos que nos uniam duas vezes por semana através das palavras e, por elas, a toda a beleza da arte, música e dança) - à bailarina que mais encantou quem sempre a viu dançar: Beatriz Vieira.

Grato pela inspiração e lembranças eternas!


Ouvindo: Elton John - Tiny Dancer 

04 dezembro 2016

O Bater de Asas

As moscas se foram
Com os resquícios de memórias sujas e em decomposição
De palavras encardidas de ingratidão e soberba
Voaram para um pouco mais longe
Por não suportar a limpeza da alma

A joaninha se foi
Com pintas de quem quis encontrar a sorte em outra folha
De mais paz, ainda que de mais silêncio
Voou para bem mais longe
Por não desistir da colheita do amor

As mariposas voltaram
Como borboletas que escolhem sua cor pálida para evitar a morte
De humildade impregnada de indiferença ao que só é belo aos olhos
Voaram para mais alto
Por querer compartilhar a luz da reflexão

E eu fico
Como barata tonta de humanidade desafiadora e demasiada
Desejando ter um par de asas para fugir do meio par de chinelos
Vou e ando pelos cantos
Por não querer escapar e esvair pelo ralo da vida


*Ouvindo: Iron Maiden - Prodigal Son

22 novembro 2016

Santa Cecília (parte 2 - ou "Dos Reencontros")

Voltar a textos antigos é sempre um reencontro. Há muitos que se perguntam qual conselho dariam, com o conhecimento acumulado com a idade, aos seus "eus" do passado. Poucos mantêm, porém, a humildade para aprender com a simplicidade e pureza de seu passado, descartando qualquer possibilidade de aprendizado mútuo através de sua própria reconexão interior.

Entre tantas revisitas - não apenas aqui dentro do (In)formation como em anotações datadas de até 14 anos atrás -, uma tornou-se ligação plena entre muito do meu passado e muito do meu presente: o texto sobre Santa Cecília.

Uma Santa Cecília foi o meu presente mais inesperado e mais significativo de aniversário desse ano. Nunca tive, entre tantos presentes e objetos simbólicos ao meu redor, uma imagem de um(a) santo(a), fosse um quadro, uma estátua ou algo qualquer. Além dessa novidade, ela "apareceu", pontualmente, no ano em que me declarei, aberta e completamente, músico. O presente em si foi dado pelos desdobramentos naturais dessa própria decisão anterior.

Aprendi muito mais sobre ela. Aprendi que, além de padroeira da música, ela também é protetora dos noivos que respeitam esse compromisso e também dos casais que se amam. Em um ano em que me abri completamente à busca pela minha espiritualidade, eis que a presença mais marcante da representação de Cecília se fez perceptível e determinante, pro resto da minha vida, em duas ocasiões, revelando - diante dos meus olhos - histórias e segredos que nem a musa mais inspiradora me convenceria a escrever

Ao contrário do senso comum, eu conto a milagreira, mas não contarei os milagres. Mais que isso, não há a menor necessidade de se prender a fatos - ainda que únicos - como se fossem datados, quando estes imprimem marcas comprovadamente eternas. O que fica é a lição sobre acreditar. Acreditar sempre em si mesmo como parte do todo maior. Acreditar que o reencontro, seja consigo mesmo ou com pessoas que nos trazem de volta à luz - é natural, pois é naquele momento e lugar que percebemos a que pertencemos - enquanto origem e não objeto de posse.

Hoje é, novamente, dia de celebrar sua história e sua simbologia, independente da que exista em cada um, pois a energia relacionada a você é verdadeira, em todos de nós que ainda permitem a ligação entre o que se é e o que se busca.

A música continua a me dar e ensinar tudo o que sempre busquei, pelo amor e pela dor. Não é a imagem em gesso em si, nem o bairro, nem a estação que carregam, como significantes, todas essas dádivas e aprendizados; é a existência de um caminho em comum e de histórias que se embaraçam em um tecido temporal-espacial que transforma contos milagrosos em realidade. Como bem fazem as mais belas canções.

*Ouvindo: Rush - The Garden

11 novembro 2016

Crônica Não-Cronológica sobre a Cronopatia Crônica


Não sinto que perdi o tiro de largada.
Sei que quebrei recordes, bem como tropecei em barreiras.
Nadei piscinas inteiras sem poder ou saber
E ouvi os aplausos dos que reconheceram minha coragem
Bem como os risos dos que me chacotearam.

Já caí do cavalo, no meio do barro
E já cheguei em segundo, por um segundo e a um focinho
Da foto das lentes que, instantaneamente, voltaram-se a si
Deixando-me, instantaneamente, feliz
Por não me colocar sempre em primeiro lugar.

O tempo é tão infinito quanto nós
Quando, arbitrariamente ou não, nos despimos de nossos relógios
O tempo é a força natural que,
Na ânsia por controlá-la
- e no atraso crônico em compreendê-la -,
Teimamos em tomá-la por deus.


(Gratidão a você que visitou esse espaço nesses últimos dez anos, completados hoje. Como todo bom ciclo, ele termina exatamente onde começa um novo. Voltarei a publicar com maior frequência. E em uma nova frequência.)

*Ouvindo: Jeff Buckley - Hallelujah