14 março 2012

Konyvência

O texto que escrevo agora – com uma certa dose de descrença, ainda, por me ver tendo de escrevê-lo – parte do pressuposto de que todas as pessoas têm seus princípios e morais definidos, única e exclusivamente, por algo que é inerente ao ser humano e, por isso, nunca deve ser julgado: experiência de vida. Será impossível, seja histórica ou cientificamente, que duas pessoas tenham EXATAMENTE a mesma visão sobre algo mesmo que tenham o mesmo histórico de vivência. Basta seguir o princípio físico básico de que “dois corpos nunca podem ocupar o mesmo lugar”. Mesmo que este lugar seja utópico.

Dito isso, o que me traz de volta, com tanta urgência, é ver as reações que o vídeo KONY 2012 causou nas pessoas em geral. Certas reações que eu já havia presenciado - em escala menor, talvez – em relação aos “testes sócio-midiáticos” sobre a USP X PM e sobre o Lula e o SUS: textos bradando julgamentos diretos às pessoas envolvidas, seguidos de textos-contraponto julgando os textos criados anteriormente, e a turma do “deixa disso virtual, vendo a intersecção dos dois lados, e questionando tudo ao invés de mostrar uma solução prática.

O que acabei de citar, somado ao que tenho lido essa semana, sobre “os reais propósitos e intenções do vídeo sobre Joseph Kony”, me impulsionam a uma primeira conclusão, logo de cara: o simples fato de acender o pavio (mais curto em uns que em outros, é verdade) e fazer com que as pessoas tomem consciência dos diversos fatores envolvidos nesses casos e os discutam é, por si só, positivo. Pelo menos mais positivo que manter tudo em silêncio, deixando que as pseudo-verdades absolutas pairem sobre nós, quase que como a censura do século passado.

De qualquer forma, me intriga ver a forma com a qual as pessoas contrariam o vídeo de Kony, falando sobre as reais intenções da ONG e até do Governo Norte-Americano; as acusações vão desde a ONG estar angariando fundos pra iniciativas privadas, passando por acusações de “humanismo racista” de quem está se mobilizando nas redes sociais, chegando a novas descobertas de barris de óleo pelos americanos, que querem mais uma vez invadir um país com uma desculpaesfarrapada”, e culminando no argumento simples de que os EUA só querem acabar com a matança de crianças na África - a L.R.A não está mais centralizada na Uganda, mas espalhada por países vizinhos – porque no Sudão do Sul encontra-se o principal contingente de goma arábica, principal componente da Coca-Cola.

Títulos como: “Stop Kony, ou a Coca-Cola Acaba” e “a consciência limpa do humanismo racista” foram os que me despertaram a comentar mais esse episódio dos “sofativistas” X “turma do soy contra”. E minha conclusão se mantém a mesma: se este vídeo não houvesse aparecido, talvez nenhum desses Tumblrs ou nem mesmo blogs de Mestres em Relações Internacionais tocaria no assunto, com tanta veemência, ou mesmo pesquisaria a fundo o assunto, já que nada tão estrondoso quanto o sucesso do vídeo os chamaria atenção. Pior que isso: se tornariam coniventes com tudo o que acontece e fica invisível, de fato, a nossos olhos- por motivos diversos -, mantendo em silêncio seus conhecimentos sobre o assunto, esperando momentos propícios e usando de oportunismo para destilar sabedoria e contrariedade na Internet.

Meu ponto real é: por que, ao invés de um texto grande e bonito, cheio de palavras de difícil compreensão (ora, a idéia não é incluir social e digitalmente?) essas pessoas não fazem um vídeo ou outro tipo de viral tão impactante e efetivo quanto o vídeo sobre Kony? Por que as pessoas não chamam a atenção para problemas mais próximos de nós, para agirmos localmente, quando necessário? Essa minha indagação não é um julgamento. É uma busca pra solução do “informe-secheio de soberba, cuspido por alguns nas mídias sociais, como se compartilhando diferentes pontos de vista eles estivessem fazendo mais que a obrigação enquanto cidadãos do mundo.

A intersecção entre textos e vídeos pró e contra a proporção que “KONY 2012tomou é, exatamente, a falta de soluções concretas propostas por seus autores e a idéia de que “SIM, de qualquer maneira, pessoas como Joseph Kony precisam ser paradas, presas, e receberem Justiça". E é isso que me faz acreditar que não há ativistas preguiçosos no mundo, nem racistas que fazem o bem para se livrar do precisar fazer o bem, nem pessoas que sejam mais contra o império da industria de refrigerantes que contra a morte e o estupro de crianças, em qualquer lugar do mundo, por qualquer motivo.

Minha solução? Este texto aqui - além dos citados nele - será usado para uma discussão em uma aula minha de inglês, em que começamos falando sobre segregação, passamos por Apartheid e chegamos ao estrondo sobre Kony. Por não conseguir escrever sobre vários pontos sem me alongar em um texto, vou falar dele na próxima Twitcam da minha banda, em que não fico apenas me promovendo como músico, mas converso com as pessoas sobre o que podemos fazer pra mudar o rumo do que nos incomoda. E terei essa conversa com quem quer que seja, com quaisquer pontos de vista, desde que não sejam xiitas ao defenderem seus argumentos, cegamente, a um ponto quase equivalente ao de pessoas como Joseph Kony. E não consigo acreditar que isso faça de mim um sofativista preguiçoso, racista e egoísticamente pseudo-humanista.

(
Em tempo: Segue aqui o link que acredito ser o mais informativo e que argumenta melhor sobre as "possíveis" reais intenções do Governo de Barack Obama em invadir a África Central. Serve, de melhor forma, para pensarmos em quem podemos acreditar, e como.)


"O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons” - Martin Luther King, Jr.


*Ouvindo: Extreme – Rest In Peace