31 dezembro 2017

Este Já Ano


Esse ano começou onde eu queria estar, como se tempo e espaço se fundissem e não  O lugar debaixo de todas as estrelas que são estrelas porque as vemos, pois já não são mais, depois de explodirem. Não fossem todas as explosões de todas as estrelas, eu não daria valor a todos os clichês que se fazem necessários para compreender o que me cerca, e elas não cumpririam com o papel de estrela - o que faria delas o contrário de sua natureza.

Esse ano começou como um ato de coragem. Em menos de 48 horas, tomei um decisão que parecia tão pequena, e que causou um tufão aqui, na outra ponta dos 365 dias. Um tufão que destruiu - exata e principalmente - essas divisões arbitrárias de tempo. A ideia, inspirada não só por música como pelo espírito do novo ano - agora o mais novo velho ano - era mudar tudo. E tudo mudou. Tanto o que eu quis quanto o que nem perto do meu alcance estava. Tanto pelas minhas vibrações quanto pelas minhas reações às vibrações alheias

Esse ano eu morei em tanta casa que já nem lembro mais numericamente, mas que eu já sou incapaz de esquecer. Uma incapacidade tão forte que me trouxe, inclusive em forma de inúmeros déjà vus e sonhos, a certeza de que já lembrava de tudo o que viveria esse ano antes mesmo de propriamente vivenciar.

Esse ano a palavra família ganhou um novo sentido. Um sentido tão amplo que me fez pensar o quanto cada um de nós deveria andar com seu próprio dicionário, escrito a próprio punho, e definido tão particularmente que o que chamaria nossa atenção no outro seriam as semelhanças entre o que definimos e não nossas diferentes concepções. Foram tantos momentos e cuidados e sorrisos compartilhados com gente de sangue ou não.

Esse ano escrevi um livro. De presente de aniversário. E qual não foi a inspiração senão um outro tipo de amor que, muitas vezes, nem a pessoa que o pratica o percebe ou valoriza: amizade. O amor é amor refletido, e palavras de consolo e de carinho só podem refletir carinho. Tudo devidamente pautado esteticamente por um sitcom. O mesmo sitcom que selou a certeza de que nem todas as coincidências do mundo são capazes de nos dar o total controle do nosso destino.

Esse ano eu tive meu espelho quebrado três vezes. E já nem importa se fui eu quem deu o soco ou se fui estilhaçado, vendo minhas reflexões virarem cacos. Tive 7 semanas de azar que pareceram 21 anos dentro de 5 meses. Nem imaginava que seria no meio do caos refletido que eu encontraria, finalmente e de verdade, amor, gratidão e perdão.

Esse ano eu senti na pele a dor fatal de alguém que nem me conhecia, mas que me trouxe uma visão de mundo através de sons e versos que eu só poderia compreender pelas janelas abertas pelos meus heróis, que me conhecem de sangue e alma, e por isso entendem o que essa perda significou. Ainda assim, como ele bem ensinou, ser eu mesmo é tudo o que eu posso fazer.

Esse ano eu neguei e derrubei um dos meus dois maiores heróis. E ele, como um verdadeiro herói faria, me salvou de novo quando estava sem forças. E de novo depois, e depois, e depois.

Esse ano, ao perceber que eu já nem me importava mais se era um bom ou mal menino, Papai Noel veio 4 meses mais cedo e resolveu me dar uma boneca. Dessas que andam, falam, sorriem e tem um poder inequívoco e infinito de amar, e só é vista como brinquedo ou objeto inanimado por quem não sabe brincar de vida. Me deu essa boneca não pra ver se realmente sou bom ou mal, mas se eu seria, enfim, menino de verdade para cuidar dela e ser cuidado por ela.

Esse ano me deu uma irmã gêmea. E todo um amor pra ser incondicional na marra, com todas bençãos e maldições que isso carrega, que é pra gente provar que pode se equilibrar, taurinamente. Provar pra si mesmo, que é o que importa, e compreender a si mesmo no outro, idêntico.

Esse ano percebi que eu, 33 anos de idade, vivi mais anos neste século que no século no qual nasci. A reverberação e amplitude dessa pseudo-epifania puramente lógica-matemática expandiu um universo muito maior dentro de mim que fora, me dando de presente todas as possibilidades do que eu posso escolher ser. E sempre posso. E tudo posso. Inclusive me suicidar virtualmente em sociedades falsas - como se a real já não fosse falsa o bastante - e escolher o blog como minha mídia.
Reencontrei muita gente, de tantas outras vidas passadas que eu nem quis mais descobrir se foi numa vida na qual eu ainda chamava Rubens. In the end, it doesn't even matter.

Em 2017, eu sangrei demais e chorei pra cachorro.
Esse ano eu morri muitas vezes.
Ano que vem - este já ano daqui a pouco - eu não morro.


Música do ano: Snow Patrol - Open Your Eyes




06 janeiro 2017

Pas de Deux

Não sabes quanto bem me faz
ver teus pés no palco a flutuar,
quando já me falta o equilíbrio
por ter por inteiros os dois pés no chão.

O brilho que vem do chão e do céu
(e de dentro de ti)
e de quem contigo o compartilha
é o que te equilibra;
é o que tens e traz
e nos faz feliz.

Teu corpo não é de ter de ter;
é mármore lapidado de dentro pra fora
por alguém que tem nas mãos
o que tenho nas linhas das mãos,
nas pontas dos dedos,
e tu tens nas pontas dos pés.
(Alguém chamado alma.)

E o que temos dentro de nós, dividido,
é segredo que todo mundo sabe;
é sonho e sentido da vida;
é arte que arde na alma e nos calos
quando não se sente.

O que temos - tantos de nós -, bem-aventurada
é um pas de deux que não leva à coda;
é um sonho do qual não se acorda;
na paz de Deus, na alma
no mundo que roda, que roda.

Composto em 2012, e dedicado aos 20 anos - com 75 minutos de atraso (os mesmos 75 minutos que nos uniam duas vezes por semana através das palavras e, por elas, a toda a beleza da arte, música e dança) - à bailarina que mais encantou quem sempre a viu dançar: Beatriz Vieira.

Grato pela inspiração e lembranças eternas!


Ouvindo: Elton John - Tiny Dancer